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MUNDO
Segundo o modelo novo-clássico, adotado pelo ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2011, Thomas Sargent, a política monetária só pode ter efeito real se tomar os agentes de surpresa. A política monetária discricionária de ativismo de demanda tem sucesso contra o desemprego somente no curto prazo. Qualquer política monetária, caso seja estável, não interfere nas condições de equilíbrio com taxa natural de desemprego, isto é, em longo prazo.
Na trilha da doutrina monetarista, segundo a qual a inflação persistente é um fenômeno monetário, buscavam-se razões críticas contra os acréscimos persistentes no estoque monetário de acordo com a política keynesiana de “dinheiro farto e barato”. Isso levou Sargent à investigação sobre as motivações e restrições dos Bancos Centrais, que conduzem a política monetária. As teorias do comportamento do Banco Central partem da noção de credibilidade política: a capacidade dos condutores da política monetária alcançarem seus futuros objetivos depende das expectativas inflacionárias do público. Estas dependem, por sua vez, da avaliação pública da credibilidade dos condutores da política monetária. A literatura teórica novoclássica define credibilidade como o grau de confiança do público que uma mudança na política tomou lugar quando, de fato, tal mudança realmente ocorreu. Para obter essa credibilidade, uma política deve ser consistente, a cada estágio, com a informação pública a respeito dos objetivos e restrições enfrentadas pelo Banco Central. O público não acreditará em alguma política anunciada se sabe que ela é incompatível com os objetivos correntes dos seus condutores. A credibilidade pode ser concebida como a velocidade com a qual o público reconhece que uma mudança nos objetivos dos condutores de política monetária está efetivamente ocorrendo. Este conceito de credibilidade parece apropriado quando a política é discricionária e os objetivos dos condutores (conhecidos somente por eles) estão em constante fluxo de mudança. Essa caracterização de credibilidade sob discrição (arbítrio) e informação assimétrica difere da credibilidade como reputação. De acordo com esta última concepção, o fortalecimento do condutor de política monetária depende da probabilidade subjetiva correntemente atribuída ao evento. A política monetária não é totalmente divorciada do processo político geral, sendo parcialmente sensível aos desejos do Presidente da República, Congresso, comunidade financeira e, periodicamente, algumas outras pressões menos visíveis de instituições e grupos. Nesta abordagem novo-clássica, a escolha do Banco Central em termos de objetivos políticos – prevenir a inflação em relação a estimular a economia – depende da influência relativa exercida sobre ele dos defensores do pro-estímulo e dos da anti-inflação, no governo e no setor privado. A decisão padrão de política monetária é complicada por duas condições adicionais: 1. o condutor de política monetária, assumidamente, possui controle imperfeito da oferta de moeda: o crescimento efetivo da moeda desvia-se, aleatoriamente, do crescimento planejado pela autoridade monetária. 2. o condutor de política monetária possui incerteza a respeito de seus próprios objetivos futuros: o ponto importante, sob o ponto de vista monetarista, é que ele pode prever seus próprios objetivos incertos no futuro, quando escolhe a taxa corrente de crescimento monetário. Essa incerteza eleva-se porque não sabe, correntemente, com certeza, que futuro balanço ótimo ele obterá, entre pressões exercidas por vários grupos e instituições. Quanto mais estável o quadro político-social subjacente, menor será a incerteza. A baixa credibilidade e a ambiguidade, na especificação dos objetivos pelo Banco Central, podem ser, em alguns casos, deliberadas: o condutor da política monetária pode achar vantajoso escolher procedimentos de controle que tornam lento o reconhecimento público de mudanças nos seus objetivos. A ambiguidade maior provê o condutor com maior controle, no tempo, de surpresas monetárias. Quando há maior ambiguidade a respeito da política monetária, pode-se criar maior surpresa positiva, quando se cuida mais do estímulo ao crescimento econômico, e deixar as inevitáveis surpresas negativas para períodos nos quais se está relativamente mais preocupado com a inflação. A análise econômica tradicional geralmente tratava o comportamento dos condutores de política monetária como fosse determinado de maneira exógena. Em contraste, a literatura novoclássica sobre este tema enfoca, explicitamente, como os motivos, as restrições e a informação dos policymakers e do público determinam os resultados da política monetária. Uma tendência inflacionária, segundo a abordagem novo-clássica, é criada por interações entre a equipe econômica governamental e o público. Os modelos utilizando abordagem política parecem melhor equipados do que os modelos monetaristas, para explicar porque a preferência das autoridades monetárias pela ambiguidade nos anúncios públicos da política monetária e porque há largas flutuações nas taxas correntes de crescimento monetário e inflação. A partir de então, outros modelos – pós-keynesianos e institucionalistas – apareceram também, para combinar, explicitamente, alguma interação entre o comportamento político, as instituições, e a política econômica. Fernando Nogueira da Costa
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A Premiação do Nobel de Economia em 2011 força-nos lembrarmos o debate teórico do final do século passado. A crítica dos novoclássicos ao monetarismo hegemônico, no início dos anos 70 do século XX, centrou-se em dois pontos. Primeiro, no tratamento das expectativas (considerando-as adaptativas), que estaria violando a racionalidade com a suposição de erros sistemáticos (provocados por “ilusão monetária”) por parte de determinados agentes econômicos (os trabalhadores). Segundo, na pouca ênfase dada, nos modelos monetaristas e da síntese neoclássica, aos microfundamentos. A contribuição dos novoclássicos foi no sentido de introduzir as expectativas racionais e a necessidade de microfundamentos na macroeconomia.
A macroeconomia novoclássica das expectativas racionais, contribuição maior do premiado Thomas Sargent, idealizando o equilíbrio, explicava as flutuações econômicas do mundo real como refletindo efeitos dinâmicos de distúrbios monetários, face aos custos de obter informação e de ajustamento. O modelo abstrato de equilíbrio geral com preços flexíveis sugeria a neutralidade monetária. Para explicar porque, na realidade, a moeda era não-neutra, argumentava que, em nível menos abstrato, efeitos reais de curto prazo, devidos a distúrbios monetários, podiam surgir de informação imperfeita sobre a moeda e o nível geral de preços. Entretanto, variações monetárias antecipadas pelos agentes econômicos, em função da adoção governamental de política monetária sistemática, não importavam, porque elas não levavam a confusões informacionais. Sargent chegou, então, à mesma conclusão obtida por Abraham Lincoln: “Você pode enganar algumas pessoas todo o tempo, e todas as pessoas por algum tempo, mas não pode enganar todas as pessoas por todo o tempo.” O governo e/ou o Banco Central, para obter algum efeito real, teriam de “enganar os agentes econômicos”, pelo menos na primeira vez, quando aprontariam alguma surpresa. Dentro do mainstream, a posterior reação novo-keynesiana aos novos-clássicos incorpora as expectativas racionais, mas em conjunto com os microfundamentos de rigidez nominal. Contratos de longo prazo, explícitos ou implícitos, e salários de eficiência – manutenção de salários reais constantes, acima do de mercado, para evitar redução de produtividade e custos de demissão e de contratação – justificariam salários ou preços rígidos, revelando a incapacidade dos agentes em coordenarem suas decisões. O ajustamento aos distúrbios monetários poderia, então, não ser completo ou sincronizado. Essa abordagem demostra as falhas de coordenação pelo mercado. O custo de etiquetagem ou de cardápio [menu cost], que seria o custo de alterar preços nominais, é acoplado à concorrência oligopolista. As empresas estabelecem os preços relativamente às concorrentes, em estratégias que envolvem hipóteses sobre qual é o ambiente econômico. A interdependência estratégica e as divergências sobre o cenário futuro geram os problemas de coordenação, ou seja, o mercado não auto regula. Deve-se salientar também as diferenças entre economistas keynesianos. Na análise novokeynesiana, a característica essencial da explicação da flutuação econômica está nos preços não-flexíveis; com flexibilidade, acreditam na correção a longo prazo do desemprego. Na análise pós-keynesiana, a moeda não-neutra e o desemprego podem coexistir mesmo com perfeita flexibilidade de preços, tanto no curto quanto no longo prazo. A análise de Keynes, sob essa ótica pós-keynesiana, demonstra que a flexibilização de salários e preços, inclusive da taxa de câmbio, não removeria o desemprego do capitalismo. O problema do desemprego surge de decisões de gastos descoordenadas e/ou insuficientes dos agentes econômicos, que não empregam, necessariamente, todos os recursos produtivos – capital e trabalho – disponíveis. No fundo, o debate entre os novoclássicos e os velhos e novos keynesianos se dá somente a respeito das diferenças entre velocidades de ajustamento dos preços e da produção, em função de determinada variação exógena da demanda agregada. Os velhos e novos keynesianos acabaram por aceitar a interpretação de Milton Friedman, quando insistem que inflexibilidades nos preços são essenciais à explicação keynesiana de como produção e preços respondem no curto prazo a certa variação na demanda agregada. Na verdade, é o inverso da proposição de Marshall, adotada originalmente por Keynes. Diante da hipótese que preços se ajustam mais rapidamente que quantidades, há a distinção marshalliana entre equilíbrios de mercado: a de curto prazo e a de longo prazo. Se a velocidade de ajustamento dos preços é mais rápida do que a da produção, a moeda é neutra. Há neutralidade da moeda inclusive no curto prazo, de acordo com a visão novoclássica, devido à hipótese que os preços podem se ajustar instantaneamente e a produção não pode. Portanto, a diferença entre economistas novos-keynesianos e novos-clássicos se dá porque os primeiros (assim como os monetaristas) acreditam que a moeda é neutra apenas no longo prazo, mas não sendo no curto prazo. Já os últimos afirmam que, quando a oferta de moeda é a esperada, ela é neutra, inclusive, no curto prazo. Essa foi a colocação de Thomas Sargent. A distinção fundamental entre os velhos e os novos keynesianos está que estes presumem rigidezes [rigidities], com velocidade mais lenta de ajustamento de preços, e aqueles, preços menos que perfeitamente flexíveis, com adesividade [stickiness]. Os velhos-keynesianos lêem, em Keynes, uma teoria de “salário nominal adesivo”; os novos-keynesianos, vêem salários e/ou preços rígidos; e os pós-keynesianos destacam, em Keynes, não essas rigidezes, mas sim as propriedades essenciais dos juros e da moeda. Aparentemente, o mainstream acha que a macroeconomia teria que ter fundamentos microeconômicos, enquanto os pós-keynesianos acham que a microeconomia é que teria de ter fundamentos macroeconômicos, isto é, as decisões tem de considerar o contexto e/ou o cenário futuro. Na verdade, não deve haver uma determinação de uma pela outra, mas ambas configuram a realidade. O todo é interpretado pela interação entre elas. Se, em vez da contraposição, os analistas buscassem essa síntese macro-micro, a convergência entre os novos-keynesianos e os pós-keynesianos poderia ser maior e o diálogo entre os economistas de formação ortodoxa e os de formação heterodoxa mais frutífero. A Premiação do Nobel de Economia em 2011 também faz lembrar a velha piada corporativa de que “a Economia é o único campo onde duas pessoas podem compartilhar um Prêmio Nobel dizendo exatamente coisas opostas!” Por exemplo, citava-se a Premiação do Nobel de Economia em 1974: Gunnar Myrdal, um socialista sueco defensor do Estado de Bem-Estar Social, e Friedrich August von Hayek, um reacionário austríaco anti-Estado. Pois bem, a Premiação deste ano destacou trabalho acadêmico que foi falseado (e, portanto, superado cientificamente) pelas descobertas da Neuroeconomia. Esta foi objeto de Premiação do Nobel de Economia em 2002, através de Daniel Kahneman, psicólogo que falseou a premissa de racionalidade que dava suporte intelectual à hipótese de expectativa racional. A irracionalidade foi demonstrada através do comportamento recorrente dos investidores, baseando suas decisões em regras de bolso, cuja maioria é inconsistente. Eles tem crenças enviesadas e não expectativas racionais. Fernando Nogueira da Costa Na reunião do G-20, em que a nova Presidenta eleita do Brasil, Dilma, será apresentada por Lula à comunidade internacional, China e os Estados Unidos necessitam de acordo sobre o estabelecimento de metas para a redução dos desequilíbrios comerciais. Eles querem mudar as discussões da "questão superficial" das taxas de câmbio nominais para "discussões sobre a substância do reequilíbrio do comércio mundial".
Nesse sentido, a China adotaria metas numéricas para redução de seu superávit comercial. Ela vem resistindo firmemente às pressões dos Estados Unidos por valorização mais rápida de sua moeda. Essa é a disputa política e econômica que mais vem despertando temores da “guerra cambial” mundial. Há possibilidade de apoio na China à proposta dos EUA de estabelecer limites aos superávits e déficits em conta corrente de cerca de 4% do PIB. Entretanto, o governo da Índia se mostra menos entusiasmado. Acha que o G-20 precisa adotar "fórmula baseada em soluções específicas para cada país" e evitar a "camisa de força" de metas numéricas gerais. Ele alerta que qualquer diretriz política ampla para nivelar déficits e superávits poderá ameaçar o funcionamento "normal" da economia mundial. A Índia não pretende impor limites aos fluxos de capital para seu país, apesar das preocupações com o fato de as políticas monetárias nas economias desenvolvidas estarem direcionando recursos voláteis para os mercados emergentes. Os planejadores econômicos chineses querem reduzir o superávit para 4% do PIB nos próximos três a cinco anos. O superávit externo da China já está diminuindo por causa do aumento dos salários, do consumo em alta e da realocação de indústrias para províncias do interior do país. O Brasil também possui contencioso com a China na área comercial e cambial. O governo brasileiro insiste na necessidade de diversificação do comércio. As compras chinesas são compostas hoje de 33% de soja, 30% de minério de ferro e 10% de petróleo, comparados a 95% de manufaturados chineses exportados para o Brasil. A resposta chinesa tem sido de que a estrutura do comércio depende das características econômicas dos dois lados. A China sempre sugere ao Brasil promover mais seus produtos no mercado chinês. Por sua vez, Pequim continua cobrando que o Brasil cumpra o compromisso assumido em 2004, de dar o status de economia de mercado à China. Mas isso está longe de acontecer, levando-se em conta a política cambial chinesa administrada que dá vantagem enorme a suas exportações. Em todo caso, a China terá automaticamente, partir de 2016, o status de economia de mercado reconhecido pelos parceiros, pelos termos de sua adesão na Organização Mundial do Comércio (OMC). O Brasil não poderá mais aplicar medidas antidumping, baseadas no preço de terceiro país. O problema é que hoje sequer sobretaxas antidumping freiam os produtos chineses, diante de sua competitividade impulsionada pela moeda desvalorizada. Os chineses continuam a tomar mercado do Brasil nos mercados tradicionais da América Latina. Bancos internacionais já esperam novas medidas de restrição ao capital externo no Brasil para frear a apreciação do real, devido ao afrouxamento da política monetária dos Estados Unidos. O aumento do IOF sobre o portfólio de ações é visto como alvo prioritário. Entretanto, isso vai causar danos no mercado local de capitais, freando a emissão de IPO ao reduzir a demanda de investidores estrangeiros. Há possibilidade de outras medidas complementares como: intervenção do Banco Central do Brasil no mercado de derivativos com mais leilões de swap reverso; não remuneração de contas de estrangeiros, como forma de reduzir a capacidade desses investidores de vender dólares na BM&F; regulação prudencial sobre posição de derivativos de bancos para limitar a arbitragem entre mercados futuro e spot. O IOF, que já foi elevado de 2% para 4%, e depois 6%, poderia ser aumentado também para o capital que entra para o mercado de ações. Há ainda a possibilidade de reintrodução do Imposto de Renda de 15% sobre os investimentos estrangeiros em títulos de divida do governo. Se é claro que o aumento da liquidez global vai levar à escalada de medidas para frear o fluxo de capital, também parece certo que a apreciação da moeda nacional só será verdadeiramente moderada com políticas que incluam ajustamento fiscal. Intervenções do Fundo Soberano, com ativos apenas de US$ 10 bilhões, dificilmente atenuarão a apreciação do real, a menos que tenha mais capitalização. Com as intervenções do Banco Central, com compra líquida de moedas estrangeiras no mercado spot, as reservas internacionais aumentaram para US$ 282 bilhões, representando 18% do Produto Interno Bruto ou 12 meses de importações. No entanto, a disposição da autoridade monetária em intervir no mercado declinou por duas razões: o benefício marginal por mais acumulação de reservas diminuiu e o custo da esterilização aumentou à medida que o diferencial de taxa de juros cresceu. Dilma Rousseff e Lula vão ao encontro de cúpula do G20, provavelmente, com a proposta de coordenação mundial de políticas econômicas a fim de evitar danos como os provocados por EUA e China. A proposta brasileira será: 1) os governos americano e europeus que gastarem mais através de estímulo fiscal e fazerem controle monetário; 2) a China, a Alemanha, o Japão e os países do Sudeste Asiático reduzirem os superavit comerciais (exportações menos importações), incentivando a demanda doméstica no mercado de consumo de cada um deles. É proposta racional, teoricamente, mas pouco palatável, politicamente. A geopolítica internacional tem razões que a própria razão desconhece... Fernando Nogueira da Costa A União Européia obteve o PIB por Paridade de Poder de Compra de US$ 14,43 trilhões, em 2009, queda de 4% em relação ao alcançado no ano anterior (US$ 15,04 trilhões), devido à crise mundial. Mesmo assim, esse bloco regional manteve-se como o maior gerador de renda no mundo, acima do PIB PPC dos Estados Unidos de US$ 14,12 trilhões em 2009. A renda per capita deste foi de US$ 46.000, enquanto a da União Européia foi de US$ 31.900. A força de trabalho desta alcança 225,5 trabalhadores, superando a norte-americana de 154,2 milhões. O desemprego médio na Europa foi de 9% da força de trabalho.
A União Européia acumulou exportação de US$ 1,952 trilhão em 2007. Embora a China tenha superado a Alemanha com o país com maior exportação em 2009 (US$ 1,204 trilhão contra US$ 1,145 trilhão), a pauta de exportação desta (19% em veículos automotores, 14% em máquinas e equipamentos, 13% em produtos químicos e 12% em produtos elétricos e eletrônicos) contém muito maior valor agregado. Quase 2/3 de suas exportações se dividem entre Zona do Euro com 43% e Europa fora da Zona do Euro com 20%. Na realidade, a soma de consumidores, devido à formação do Mercado Comum Europeu, propiciou ampliação significativa do “mercado interno” da Alemanha, que se compunha de apenas 76,3 milhões de consumidores em 2004. Por exemplo, somando mais os franceses (53,1 milhões), italianos (52,8 milhões) e ingleses (50,4 milhões), esses quatro países europeus no ranking dos dez maiores mercados consumidores da economia mundial alcançam 232,6 milhões, quase a dimensão absoluta dos dois maiores naquele ano: Estados Unidos com 242,5 milhões e China com 239,8 milhões. A dedução, portanto, é que o Mercado Comum Europeu é o maior mercado consumidor do mundo, fundamental para o comércio exterior intra-firmas européias. O conhecimento de toda essa estatística é relevante para se avaliar a importância econômica de se manter a União Européia em momento de crise que ameaça sua ruptura em zonas do Euro do A (Alemanha) e do B (periferia européia). Como se chegou a este estado de desunião?! Sintetizando os movimentos recentes da crise mundial, os Estados Unidos anunciaram a monetização de cerca de US$ 600 bilhões de sua dívida pública. Em outras palavras, depois de trocar os títulos de dívida privada “podres” por títulos de dívida soberana, desejados por todos os países do mundo como “porto seguro” de suas reservas cambiais, o governo norte-americano resolveu trocá-los por moeda hoje não tão desejada: o dólar. Agravou-se a “guerra cambial”. A depreciação relativa do dólar face ao euro retiraria mais ainda a competitividade de produtos dos países europeus periféricos, precificados (e encarecidos) em euros. De janeiro a setembro do ano corrente, comparado com o mesmo período do ano passado, a exportação da União Européia obteve a menor taxa de crescimento entre as principais regiões e países, apenas 8% face a 33% da brasileira e 32% da chinesa. A média mundial foi de 18%. O problema da União Européia é que seus países, ao se integrarem em mercado interno comum, abriram as fronteiras cambiais entre si. Na prática, abdicaram da possibilidade de executarem, individualmente, política cambial e política monetária defensiva contra o “ataque” norte-americano. Pior, crises de crédito substituíram crises cambiais. Como descreveu Martin Wolf, editor e principal comentarista econômico do Financial Times, as discrepâncias nos custos relativos provocam desequilíbrios comerciais estruturais, ou seja, vastos déficits comerciais das economias menos competitivas. Por exemplo, em 2009, Portugal exportou US$ 44,5 bilhões e importou US$ 68,9 bilhões, Grécia, US$ 21,3 bilhões e US$ 64,2 bilhões, Espanha US$ 224 bilhões e US$ 287 bilhões, respectivamente. Não foi o caso da Irlanda. Mas esta, como aquelas outras economias, teve, inicialmente, gasto privado e, depois, público, ambos superiores à geração de renda, portanto, financiados a partir do exterior. Wolf se utiliza da “abordagem da absorção” em sua análise dos balanços de pagamentos desses países. A concessão de empréstimo desapareceu. Se ela se deu via setor bancário, como na Irlanda ou na Espanha, primeiro ocorreu crise financeira. Se ocorreu por intermédio do setor público, como na Grécia, a crise aconteceu logo nas finanças do Estado. Por que foram tomados esses empréstimos? O dinheiro estava farto e barato e a demanda dos principais destinos de suas exportações (vizinhos europeus) estava fraca. A baixa taxa de juros provocou bolhas de preços de ativos e expansões de crédito nas economias periféricas. Estas, por sua vez, estimularam forte crescimento na construção civil. Até que as bolhas explodiram e os títulos securitizados “micaram”. À medida que o sistema financeiro implode, a economia desmorona e as finanças públicas se deterioram. Com a pirâmide etária européia, a crise estrutural da Previdência Social é usada como argumento para corte de direitos sociais. A reação grevista e os choques nas ruas tornaram-se inevitáveis. Enquanto as instituições financeiras foram salvas da primeira onda da crise, os conseqüentes déficits fiscais expandiram as dívidas soberanas e abriram a segunda fase de instabilidade. Pode evoluir para nova crise bancária na zona do euro. Os bancos europeus têm US$ 1 trilhão em financiamentos aos países hoje cobrados pelos riscos dos investidores: Portugal, Irlanda, Itália, Grécia, e Espanha. Outro problema é a quantidade da dívida soberana com marcação a mercado em queda nas tesourarias dos bancos dos países em dificuldades. Se os governos deixarem de pagar seus débitos, vários bancos ruirão, e não apenas pela fuga dos investidores dos títulos soberanos. Os bancos espanhóis, adicionalmente, têm exposição aberta de US$ 400 bilhões com a crise imobiliária. Em união monetária, a auto-regulação cambial não existe. Em lugar disso, há crises fiscais combinadas com as de crédito e competitividade. A solução para esta perda de competitividade seria forte queda nos preços. Mas isso agravaria a crise de crédito, pois provocaria a deflação de dívidas, tal como houve na Irlanda. A moratória nacional abala a confiança no Estado. Crise bancária é quase tão destrutiva. Os países europeus eram felizes com a crise cambial isolada, não sabiam e agora estão descobrindo! Assim, a grande questão não é determinar se a zona do euro é capaz de evitar a onda de crises fiscais e financeiras combinadas, mas sim se haverá a desunião européia. Fernando Nogueira da Costa A violência foi a “parteira da história” norte-americana, devido a quatro guerras decisivas: a Guerra da Independência, a Civil e as I e II Guerras Mundiais. Em 1775-83, as colônias escaparam do controle da metrópole inglesa. Em 1861-65, resolveu-se a questão do poder interno e do tipo de capitalismo que adotaria. Em 1914-19, modificou sua inserção na economia mundial, assumindo o papel de centro cíclico principal. Em 1939-45, superou de vez sua tradicional introversão, construindo uma ordem mundial sob sua hegemonia.
Aspecto distintivo da sociedade americana foi a ocupação das terras livres existentes a Oeste. A política de terras americana começou logo depois da Guerra de Independência, com a Ordenança de 1787, que reservou para a União os territórios indígenas do Oeste. Nascia assim o “domínio público”, colocando milhões de acres de terras em posse do governo federal, à medida que as anexações aumentavam o território do país. Nos EUA, a Lei da Colonização (1862) garantia que somente poderia ter direito à propriedade da terra quem nela morasse e trabalhasse. No Brasil, pela Lei de Terras (1850) só poderia ter terra quem as comprasse e legalizasse as áreas nos cartórios mediante o pagamento de uma taxa à Coroa. Essa política de terras norte-americana foi fator de atração fundamental por levar aos EUA cerca de 60% dos imigrantes que cruzaram o Atlântico entre 1800 e 1914, pela distribuição de pequenos lotes de terras e pela formação de um grande mercado interno. O Brasil recebeu aproximadamente 10 vezes menos imigrantes do que os Estados Unidos, no mesmo período, e manteve uma estrutura agrária altamente concentrada como uma das suas características básicas. Segundo a citada Lei de Homestead, promulgada em plena guerra civil americana, chefes de famílias acima de 21 anos e que nunca tivessem pegado em armas contra a União podiam se apossar de no máximo 160 acres de terras públicas. Após cinco anos de ocupação produtiva, podiam reclamar o título de propriedade, ou ainda, mediante quitação em dinheiro, recebê-lo antes desse período. A partir de então, Governo e ferrovias cediam as terras ou as vendiam a baixo custo, para americanos e imigrantes alargarem as fronteiras econômicas do país. As estradas de ferro uniam as zonas agrícolas aos mercados consumidores do leste. A operação das empresas ferroviárias, algumas das maiores empresas do mundo até então, apresentava requerimentos financeiros maciços, o que levou ao surgimento dos bancos de investimento, bem como à centralização e institucionalização do mercado de capitais em Nova York. Diversificaram-se as modalidades operacionais: sociedades por ações, títulos hipotecários, lançamento de debêntures, etc. Trata-se de movimento histórico tão específico que o torna caso único, não repetível e impossível de se tomar como modelo. Já a independência política do Estado brasileiro foi “negócio de filho para pai”. Portugal concedeu-a em troca do Brasil assumir sua dívida externa com a Inglaterra. Os resultados colhidos aqui se devem a distintas políticas de terras e de colonização. As capitanias hereditárias instituíram sobretudo certo modo de pensar a terra no Brasil. A legislação brasileira dificultava aos imigrantes o acesso às “terras devolutas” (vagas e/ou de posseiros), para forçá-los a trabalhar nas fazendas de café e substituir a mão-de-obra escrava. As estradas de ferro paulistas foram construídas por companhias inglesas, visando atender à exportação de café. Na mesma época que findou a Guerra Civil que extinguiu a escravidão nos Estados Unidos, iniciou-se a Guerra do Paraguai, que acabou em 1870, quando o líder paraguaio foi morto por tropas brasileiras. Durante a Guerra, quando os latifundiários viam seus filhos serem convocados, enviavam, no lugar, escravos. Os negros, sem nunca terem usado as botas do uniforme, quando fugiam dos inimigos, “batiam as botas” e morriam… Mesmo assim, o Brasil foi o último entre os países independentes ocidentais a proceder a extinção da escravidão, pois esta só ocorreu em 1888. Os negros libertos também foram usados pelo exército brasileiro na mais violenta Guerra Civil do Brasil, a “guerra do fim do mundo”, ocorrida entre 1896 e 1897 em Canudos, no sertão da Bahia, na qual milhares de sertanejos pobres, seguidores de um líder messiânico, foram massacrados pelo exército republicano. A “Maldição de Antônio Conselheiro” foi que os combatentes de Canudos instalaram-se em morro conhecido como Favella – nome da vegetação do lugar – e, quando voltaram ao Rio, instalaram-se no Morro da Providência, chamando sua comunidade de favela. A massa de imigrantes rurais, descendentes de escravos e/ou retirantes da seca, enfim, sem posse, dirigiram-se para as cidades, em busca de esperança de vida (acesso a serviços públicos) e da casa própria, isto é, a propriedade que dá status de cidadão em economia de mercado. Relatório divulgado, recentemente, pelo Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU Habitat), “Estado das Cidades do mundo 2010/ 2011: Unindo o Urbano Dividido“, estima que 10,4 milhões de pessoas deixaram de viver em condições de favelização no Brasil nos últimos dez anos. Os 10,4 milhões de pessoas equivaleriam à redução de 16% na proporção de moradores de “assentamentos precários” na população brasileira, que teria caído de 31,5% para 26,4%. A redução na proporção de moradores de assentamentos precários no Brasil é atribuída às políticas que aumentaram a renda dos pobres urbanos, à redução do crescimento populacional e a programas de urbanização, entre outros. Dados do IBGE de 2000 mostravam que 6,5 milhões de brasileiros, ou 3,8%, viviam em “aglomerados subnormais”, moradias dispostas de forma densa e desordenada em áreas de propriedade alheia. Pesquisadores argumentam que o dado é subestimado, pois há estudos que apontam que o número pode chegar a 12,4 milhões de pessoas, ou 7,3%. Como o Habitat não informou os critérios usados para definir população favelizada, não é possível investigar por que os dados são discrepantes. Para ser problema de definição metodológica. Fernando Nogueira da Costa |